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A força desconhecida das mulheres

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Texto de Maravilha Paz para as Blogueiras Feministas.

O patriarcado é um sistema social pensado, planejado e executado pelos homens em benefício dos mesmos. Nesse sistema, o papel a ser assumido pela mulher é o de total submissão, impedindo-a de obter maior liberdade no seu modo de pensar ou agir. Dessa forma, dificilmente os homens aceitarão a chegada das mulheres ao poder o que nos leva a uma necessária revolução social. Porém, de nada adianta uma revolução feminista se as mulheres não forem as protagonistas. É fundamental que elas liderem e implementem ações necessárias para a valorização feminina e para o fim do machismo na sociedade.

Para que ocorra a consumação desta revolução feminista na sociedade é preciso a adoção de medidas práticas que empoderem as mulheres. É fácil observar que a maioria das áreas de poder e decisão são áreas predominantemente masculinas e se tornam instrumentos da subjugação das mulheres aos homens. Por conta disso, é fundamental uma maior participação feminina em cargos decisórios para que obtenhamos maior representatividade social e empoderamento, gerando a tão sonhada equidade de gênero.

Entretanto, a grande problemática enfrentada pelas mulheres são os elevados índices de violência, o que nos deixa em situação bastante vulnerável. A ineficácia do Estado em garantir uma segurança pública e medidas de proteção efetivas para as mulheres só contribui para aumentar a sensação de impunidade. É preciso ao menos minimizar esse quadro tão absurdo, aumentando a autoconfiança das mulheres e freando a agressividade desmedida dos homens agressores. Por isso, acredito que a autodefesa é uma das ferramentas que podemos usar para isso. Precisamos incentivar as mulheres a descobrirem sua força física. O uso da força sempre foi um instrumento de dominação masculina, por isso, precisa ser absorvido pelas mulheres como forma de autodefesa do gênero.

Nísia Floresta(1) afirma que: “apesar de homens e mulheres serem diferentes no corpo físico eles não o são na alma, pois a inferioridade sofrida pelas mulheres decorre da falta de acesso à educação e das circunstâncias da vida”. Já Kate Millet(2) lembra que existem estereótipos definidos pelo sistema patriarcal: “enquanto o homem deve ser forte, inteligente e agressivo, a mulher deve ser frágil, delicada e passiva”. Essas definições de como a mulher deve ser inferior ajudam a perpetuar os mitos das fábulas infantis em que as mulheres são retratadas como princesas indefesas que sempre acabam sendo salvas pelos corajosos homens. Está na hora das mulheres se salvarem.

É claro que temos mulheres que tem algumas limitações e não conseguem desenvolver-se fisicamente. Mas mesmos mulheres com alguma deficiência devem sempre ser incentivadas a buscar formas de autodefesa. O que acredito ser o principal problema é que nos fizeram esquecer como usar a força física em nossa defesa. Vários exemplos históricos e atuais mostram que as mulheres são capazes de usar a força em seu favor. Um dos primeiros que lembro tem origem no próprio Brasil e é o motivo de um de seus Estados se chamar Amazonas:

O nome Amazonas, que batiza o maior Estado do Brasil e um dos maiores rios do mundo, tem sua origem em uma lenda grega que veio parar em terras brasileiras. Quando expedicionários europeus, liderados pelo espanhol Francisco Orellana, chegaram à região que hoje pertence à Amazônia, em 12 de fevereiro de 1542, encontraram um grupo de índias guerreiras. Segundo os relatos, elas lutavam nuas e viviam em tribos isoladas, sem homens. Eram chamadas pelos índios de icamiabas. Por seus costumes, elas lembravam as lendárias amazonas da mitologia grega, que viviam na Ásia Menor, e logo foi feita a associação entre elas. As icamiabas eram mulheres altas, musculosas, de pele clara, cabelos compridos e negros, como descreveu o frei espanhol Gaspar de Carvajal, que fazia parte da expedição de Orellana. Ele disse tê-las visto às margens do rio Nhamundá, na divisa dos Estados do Pará e do Amazonas. As índias não permitiam a presença de homens na tribo e, para afastá-los, lutavam com arcos e flechas. Referência: Amazonas: lenda ou realidade? Por Patricia Pereira.

Outro exemplo histórico diz respeito às amazonas de Daomé (reino que existia no atual país africano chamado de Benin) em que as mulheres também mostraram seu valor através do uso da força:

As mulheres soldados e oficiais do exército de Daomé possuíam escravas, moravam no palácio do rei e eram tão respeitadas e poderosas que, quando andavam pelas ruas, os homens comuns deviam dar um passo atrás para abrir caminho e olhar para o outro lado: não podiam dirigir seu olhar a elas. Usavam uniformes, carregavam bandeiras e cantavam hinos. Acostumadas desde cedo a um treinamento rigoroso, eram grandes guerreiras, fortes, velozes, que escalavam paredões, empunhavam espadas, machadinhas e punhais com vigor e, armadas com espingardas, atiravam com boa mira. (…) Estavam, normalmente, na linha de frente dos ataques aos reinos inimigos, à frente dos homens. As militares não eram as únicas mulheres com poder na sociedade de Daomé, (…) Outras estavam em posições-chave na política e em cargos burocráticos. “Isso não era incomum na África Ocidental, onde em muitos reinos havia, por exemplo, a figura da rainha-mãe. Mas Daomé levou isso ao extremo. Em nenhum outro lugar havia tropas inteiras de combatentes femininas, em toda a história”. Referência: Amazonas de Daomé: O brutal exército das mulheres. Por Flávia Ribeiro.

Acredito que se as mulheres obtiverem treinamento físico adequado será possível eliminar a ideia da fragilidade feminina que persiste na sociedade. Enquanto os homens agressores acharem que não sofrerão resistência pelos seus atos repugnantes, eles continuarão a oprimir. Se as mulheres descobrirem que a sua luta perpassa os limites ideológicos e que podem alcançar a potencialização de seus atributos físicos em prol da causa feminista, haverá então um novo instrumento a ser aprendido pelas mulheres. É inspirador o exemplo de Maria Felipa, uma das heroínas da Independência da Bahia:

É descrita como uma negra alta e forte, que vestia saias rodadas, bata, torso e chinelas. (…) Liderando um grupo de mulheres e homens de diferentes classes e etnias, fortificou as praias com a construção de trincheiras, organizou o envio de mantimentos para o Recôncavo e as chamadas “vedetas” que eram vigias nas praias, feitas dia e noite, a fim de prevenir o desembarque de tropas inimigas além de participar ativamente de vários conflitos. (…) em 7 de janeiro de 1823, liderou aproximadamente 40 mulheres na defesa das praias de Itaparica. Armadas com peixeiras e galhos de cansanção surravam os portugueses para depois atear fogo aos barcos usando tochas feitas de palha de coco e chumbo. (…) Diferente das outras heroínas do panteão do 2 de Julho, Maria Felipa transgrediu os padrões impostos pela sociedade por ser mulher e liderar um grupo armado e, sendo negra e pobre, reivindicar direitos mesmo após o fim da guerra. Referência: Maria Felipa, a Heroína Negra da Independência.

Uma interessante iniciativa tem chamado a atenção, que é a formação de grupos femininos com o objetivo de autodefesa e sororidade. O Gulabi Gang (Gangue de Rosa) é uma organização de mulheres liderada por Sampat Pal Devi na Índia que visa evitar a violencia física e sexual praticada por homens, já que infelizmente a polícia é considerada uma instituição corrupta:

Quando tinha 16 anos, Sampat viu um homem espancando sua esposa em Atarra. Pediu ao homem que parasse, mas não conseguiu. No dia seguinte, acompanhada de um grupo de mulheres que conseguiu reunir, bateu no homem. Isso aconteceu em 1980 e foi o começo de um movimento que inspira mulheres em todo o mundo. Hoje com 51 anos, ela comanda pouco mais de 270 mil mulheres vestidas com saris rosas e armadas com lathis (bastões de madeira de um metro e meio de largura). O grupo, conhecido como Gulabi Gang (Gangue de Rosa), a segue por todas as partes, mediando conflitos domésticos, arrumando casamentos, denunciando a corrupção de burocratas e, se necessário, usando lathis para revidar abusos. “Normalmente prefiro usar a razão”, afirma Sampat. “É melhor convencê-los a fazer o correto. Quase nunca tivemos de chegar a usar a violência”. De toda forma, a Gulabi Gang se organiza quase militarmente (com comandantes e muitas sessões de treinamento para a autodefesa). E, desde 2006, usam como uniforme o sari cor-de-rosa (na verdade, magenta). Referência: Empunhando bastões e vestidas de rosa, indianas criam grupo de autodefesa contra machismo. Por Luis A. Gomez.

As mulheres também mostram sororidade na Síria participando em grande número (elas compõem 45% da tropa) nas forças militares de combate ao terrorismo:

As Unidades Femininas de Proteção, lideradas pela interlocutora da agência russa de notícias Sputnik, não empreendem ataques sistemáticos aos extremistas do Estado Islâmico (também chamado de Daesh), mas participam ativamente das operações de defesa e eventuais combates aos jihadistas. O objetivo das YPJ não é somente o combate ao Daesh, mas também a “mudança da mentalidade patriarcal no exército”, “não só a conquista do poder, mas mudança na sociedade, fazer com que esta se desenvolva”. Além do aspecto militar da vida, também existe o aspecto social, civil e jurídico. É preciso que as mulheres estejam presentes em todos os níveis, se elas querem ter a possibilidade de adquirir seus direitos e passar a ter igualdade na sociedade. Se não houver mulheres em algum desses níveis — no militar, ou no público, ou no diplomático, elas não conseguirão adquirir os direitos – argumenta Nesrin Abdalla. As Unidades Femininas de Proteção (YPJ) foram criadas na Síria em 2013, como um braço feminino das Unidades de Proteção Popular (YPG). Referência: Exército curdo conta com 45% de mulheres na frente de batalha.

Diante dos exemplos apresentados acredito que a força física pode ser um instrumento em prol da causa feminista quando necessária a autodefesa. Vejo esse assunto como algo a ser empregado em favor das
mulheres como ÚLTIMO RECURSO para que a integridade física seja
preservada. Não estou estimulando ninguém a se tornar uma guerreira
violenta que resolve tudo através da força. Meu objetivo é mostrar que
SE as mulheres quiserem elas também podem usar a força em seu favor. E
é uma pena que a sociedade não incentive as mulheres ao treinamento
físico e as artes marciais já que tais instrumentos também podem ser
usados em benefício da saúde e da estética feminina.

A Mulher Maravilha também é um símbolo dessa força das mulheres. Na história fictícia, Diana é enviada ao mundo dos homens e acaba se tornando uma grande combatente, lutando pela paz e pela justiça. Ela só
utiliza seus poderes quando necessário, visando impedir os propósitos
criminosos das forças do mal.

É óbvio que tal mecanismo deve ser usado com responsabilidade, todavia torna-se algo de relevante importância quando empregado para frear os abusos desmedidos dos agressores e como recurso de intimidação para impedir a ocorrência de novas ações. Quando as mulheres descobrirem que existe uma força desconhecida dentro de cada uma elas poderão compreender que a força ideológica não era apenas a única alternativa de empoderamento.

Referências

(1) FLORESTA, Nísia. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. 4.a ed. Sao Paulo: Cortez, 1989.

(2)  MILLETT, Kate. Política Sexual. México, 1975.

Autora

Maravilha Paz tem formação em Direito, trabalha num escritório de advocacia e acredita na equidade de gênero. Ela quer saber sua opinião sobre esse assunto, então, escreva pra ela: femikhalo@gmail.com

Créditos da imagem: São Paulo/2014. Giovana Camargo e Luiz Amorim, instrutores de curso de auto defesa para mulheres. Foto de Caio Kenji/G1.

+ Sobre o assunto: Mulheres se ‘armam’ com spray de pimenta. Isoladamente ou em grupos, elas compram o lacrimogênio como instrumento de defesa “rápida e não letal”, mas reconhecem que se trata apenas de um paliativo.


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